quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

33. MARIA E O ANDARILHO ORQUIDÁRIO

       
            Era um domingo desses de sol escaldante... Maria  a andante, a passear caminhante e sem destino, assim, como quem a saborear a vida... Numa dessas pisadas,   que o chão a sustentava - Maria olha o céu que, de tão  azul a contemplava. Desprovida de qualquer  indecisão,  segue analisando a vida - como se esquecesse desse velho mundo, cão. E assim, de repente... Num olhar de descuido, depara-se com um homem, mal trapilho e andarilho - todo sujo em sua direção.
        Foi ali, - naquele momento que algo estranho acontecia. Maria foi abordada pelo estranho como se, de algum lugar a conhecesse.
        De início, um tanto assustada,  observa que nas mãos daquele homem, o mesmo carregava um tipo de plantação. Maria então,  com mais cuidado, vê belas orquídeas, cuidadosamente cultivadas em vasos,  por aquele ermitão.
        E o homem com seus cabelos dourados,   a pele encardida feito carvão, e as mãos de tão sujas  parecia-lhe pano de chão.
       Ao olhar a face daquele homem, sente estranha sensação, - como  pode um homem de tez bonita encontrar- se naquela situação?
      Mas, numa questão de segundos Maria inicia a catação, na busca de parcas  moedas, para  livrar-se daquela situação. De repente ouve uma voz bonita  e com bela dicção a fazer-lhe uma  solicitação:
      - Não! Não  lhe quero seus  valores, muito menos sua compaixão, quero apenas lhe pedir que olhes a minha situação. O tempo esta esquentando e elas precisam de um abrigo, pois necessitam de água e sombra, - e isso elas não encontrarão comigo.  
     Não tenho paradeiro,  nem qualquer pretensão de atar-me em uma morada como se fosse ela, a minha prisão...
     Sou homem livre... Das esquinas de cada rua, e ao anoitecer  me cubro com o manto da própria lua. Mas, as orquídeas necessitam de um certo cuidado. Por isso estou implorando que  você as leve  e cuide como se fosse para sempre, um  tesouro encantado. De todas as espécies é ela a que mais me encanta – Conta a história que a rainha de Sabá  que  indecisa lhe parecia ao presentear Rei Salomão   recebeu de sua escrava um  linda decisão... - De dar-lhe uma orquídea,  flor de toda estação para decorar sua varanda - quem sabe assim a rainha conquistaria para sempre seu coração. Elas precisam de poucas coisas... Assim como um ermitão que sai por essa vida sem rumo e sem perdão  – Mas há uma diferença, elas, as orquídeas  precisam de claridade, de luz e proteção, e livrar-se das chuvas, das tempestades, dos ventos e da erosão. São as Phalaenopsis e precisam de substrato, oxigênio e boa ventilação. Não precisam de terras, pois, seu firmamento é aéreo -  basta um xaxim e pedaços de madeiras. E na adubação,  nitrogênio e potássio, serão boas opções. E o espaço a ser guardado  não querer muito requinte,  basta que tenhas zelos e as guarde eu seu coração.  
          E o homem ao negar-lhe as moedas de Maria, estica-lhe aqueles braços que embalavam belas orquídeas, ofertando a Maria, que, de muda se fazia,  ao ouvir  aquele  ensinamentos em plena luz do dia. E o  homem então, em forma de prece balbucia algo  para sua plantação, que de agora em diante  a Maria pertenceria. E o homem entoa, um câtingo segurando as mãos de Maria  em forma de oração,  - cultive essa orquídea como se estivesse tu, cuidando de tua própria filha.
       Ainda  incrédula do que estava a se passar, vê aqueles olhos verdes em silêncio se afastar. E Maria até hoje, cultiva várias espécies de belas orquídeas. Mas, entre elas tem uma especial que singela é cuidada como quem cuida de sua própria filha.

Albertina Chraim

sábado, 7 de junho de 2014

32. OS SALMOS PARA MARIA


Numa tarde chuvosa e vento sul, Maria caminhante sobre a vida, vê nas horas, passar-se despercebida.  E nessas voltas do relógio, que faz o tempo  mover-se  do lugar, Maria vê aproximar-se, como quem vem do nada, um senhora.
De expressão desconhecida, e corpo já arcado como quem já  fez muitas trilhas, a senhora lhe surge no meio do nada, fita os olhos de Maria... segura-lhe em suas mãos,  que por horas estavam frias.
E aquela desconhecida mulher, que de estranha nada tinha, aproxima–se de Maria, olha em seus olhos a chama de filha...
Com a voz serena, e olhos de melodia, fitando-a forte, inicia-se um conversa como quem a dar  um recado á  Maria.
-  Não se preocupe minha filha! 
Nessa vida,  tudo passa, no momento o que precisas é fortalecer-se de teus ensejos.     
      Pegue o Salmo 23 que fala de  proteção, depois vá no 91 que fala de aproximação - Faça deles  tua oração, todas aos noites ao dormir. -Assim estarás protegida pelo Espírito Invisível, que ilumina teu coração, e todas as tuas necessidades -  com a mente calma, tudo ficara claro. Reestruture a tua paz, e todos os seus passos serão na alegria, e todos os seus caminhos serão na paz. Lembre-se que tudo aquilo em que meditares, detiver sua atenção ou abraçar com sua crença torna-se guia e diretriz de sua vida. Pratique também,  o salmo 91, para o amor, para a saúde, para momentos de dificuldade na vida, ou simplesmente agradecimento. Use-o como sua principal fonte de energia, - a energia de Deus que está dentro de cada um de nós e é presença constante no universo de todas as coisas.    
       Maria  ouvindo aquelas palavras “de graça”, sente irradiar um feixe de luz a ultrapassar sua vidraça.
Ainda sentindo, o calor daquelas mãos, sente uma leveza na alma como que se acaricia um coração.
     E naquela tarde, úmida e fria, a mulher desconhecida  num passe de mágica desaparece, deixando  nas mãos de Maria o valor daquelas preces.


Albertina Chraim

domingo, 27 de abril de 2014

31. O AUTISMO DE MARIA



         Domingo - mais um dia vinte e sete de mais um mês de abril, anunciando o inverno a aproximar-se. O clarão do sol anuncia que a vida já começou. Espreguiça-se nas direções da rosa dos ventos, a alongar suas fibras... Mas, elas, já cansadas da horizontal não parecem colaborar. Maria levanta, vai ao banheiro... E como de habito, liga o chuveiro e observa a água cair por uns segundos, assim como quem vê a dança do dia começar. A temperatura da água, o barulho do chuveiro, o vapor no vidro, convidam Maria a riscar com as pontas dos dedos, seu nome... E no silêncio daquela casa, Maria se prepara – Coloca as lentes de contato, pega seu livro, desce ate a cozinha, requenta o café, come um caqui que ganhou do pomar do vizinho, prepara um pão com manteiga, senta-se a sua mesa de vidro, abre o livro - Didática – A aula como centro – de Marcos Masetto - da Coleção – Aprender Ensinar – Sim justamente aquele livro que uma colega há dias atrás diz que esse tema estava ultrapassado – DIDÄTICA - e que há literaturas mais atualizadas. Mas, como de costume, Maria, antes, coloca uma música para ritmar com a leitura que fica de pano de fundo. Desobediente, como sempre, busca entender, aonde, segundo a colega a Didática se perdeu.
Saboreia o livro e em questão  de segundos volta ao seu tempo de faculdade, do curso de Pedagogia - tempo em que clamava por didática. Não, não, nada havia envelhecido... Tudo estava ainda ali, no mesmo lugar... O desejo de aprender, a ânsia de ensinar, a sala de aula, os professores, os conteúdos, os alunos, a realidade do professor, a realidade do aluno e própria realidade social, inclusive a Didática, ou a sua falta, por todos esses lugares.
E no silencio de sua casa, Maria escuta o telefone tocar. Domingo, nove horas da manha. Maria baixa o volume da musica que já estava de fundos e atende o celular.
         - Bom dia! Sei que não é dia, nem horário, mas me passaram esse numero e me disseram que você trabalha com Autista!
           - Bom dia, com quem estou falando?
           - Desculpe, nem me apresentei! Aqui é Carolina!
           - Bom dia Carolina!
           - No que eu posso lhe ajudar?
           - Você trabalha com autista?
           - Não, não, trabalho com Autista!
           - Desculpe então, foi engano!
          Em questão de segundos, Maria sente o lado mudo da linha e o sinal telefônico desligado.
      - Mal deu tempo de Maria buscar o numero que havia ficado registrado e o telefone retorna a tocar.
        - Mas Senhora, eu tenho esse numero de telefone aqui, anotado e quem me deu, disse que você trabalha com autistas. -  Então como você não trabalha com autistas?
      - Senhora, entendo  sua dúvida, porem a senhora não me deu tempo de explicar. Atendo crianças “em desenvolvimento” e entre essas crianças em desenvolvimento, algumas apresentam diagnósticos de autismo ou outras síndromes. Portanto, para a educação, o sujeito vem muito antes de quaisquer rótulos e seus diagnósticos.
        Do outro lado da linha Maria escuta um silencio ao mesmo tempo em que percebe que o telefone foi colocado no modo viva-voz.
             Maria, pensativa – espera por vez a manifestação do Carolina.
         - Bem que me falaram que você era uma pessoa de entendimento complexo.
        Maria permanece em silencio.  Porem, do outro lado da linha escuta uma voz de homem a se apresentar.
        - Sou Danilo, pai de Daniel, temos um filho e todos estão dizendo por ai que meu menino é autista... E eu não acredito nesse bando de incompetentes que estão dizendo que meu filho é Autista... Eu quero que eles provem isso. Só por que o garoto é um tanto esquisito no seu comportamento já vão dizendo que ele é isso ou aquilo. E agora quero ver quem é que convence a mãe dele de que ele não é nada disso do que dizem!
Inicia-se assim a discussão, de um jovem casal - ele idealizando o filho normal e a mãe, recuperando o filho ideal.
Maria fica na escuta daquela discussão, enquanto o casal em voz alterada a esquece do outro lado da linha.
Meio sem jeito, diante de tal situação... Lembra da musica que tocava a pouco e que embalava sua leitura - aumenta o volume... A FESTA com a letra de Milton Nascimento na voz de Maria Rita, a filha da eterna Pimentinha.
          Maria, permanece na escuta, e sem poder se manifestar de outra forma, aguarda o desfecho daquela discussão.    
De repente, da voz de Danilo, do outro lado da linha se escuta a seguinte pergunta: como você sabe que essa é a musica que marca nosso namoro?
        - Bom gosto!
       - Eu escolhi essa musica hoje cedo, justamente por ser uma musica que me acalma a alma.  E por coincidência vocês me ligarem e estava ouvindo...     
        Desculpe foi o acaso!
        - Ok! Doutora nos desculpe - Minha mulher esta muito nervosa com essa historia toda, não sabe mais a quem recorrer. E eu só quero que ela se acalme. Eu não sei mais o que fazer. Já perdi meu filho para os diagnósticos e não quero perder minha mulher para meu filho. Já fomos a vários especialistas e é um tal de nos dizer o que devemos fazer... que eu já estou perdido... já nem tenho mais vontade de chegar em casa.
        - Senhor Danilo! Entendo sua preocupação e também entendo a preocupação de sua esposa...
        Hoje é domingo – dia de descanso. Dia de trégua para nossas dificuldades.
      - Posso lhe dar uma sugestão? Esqueça o filho autista, esqueça os diagnósticos, esqueça os rótulos, esqueça as angustias e vão vocês três passear, curtir essa manha de domingo. Passear na pracinha, assistir um filme, ou fazer algo de interesses dos três. E quando Daniel estiver dormindo, vão vocês dois escutar outra vez aquela musica, que uniu vocês e que representa o namoro de vocês.
      Amanha, retornarei a ligação para agendarmos um horário, pois no momento estou sem minha agenda aqui. Mas lembrem-se vocês não tem um autista em casa. Vocês tem um filho que se chama Daniel... “que também quer ser abraçado, e que tem todos os sentimentos que também tocam nossas almas, alegrias e tristezas. Se espalhando no campo, no canto, no gesto, no sonho, na vida... - Mas agora é esse balanço, essa dança que nos toma, esse som que nos abraça. E seguimos dançando o balanço malandro, e tudo rodando. Parece que o mundo foi feito pra nós nesse som que nos toca. O pôr do sol e aurora - Norte, sul, leste, oeste. Lua, nuvens, estrelas - A banda toca, parece magia - E é pura beleza, essa música - Sente, parece que a gente se enrola a corrente e então, de repente, você tem a mim.
       Nesse momento os segundos de silencio se eternizam, quando Maria escuta do outro lado da linda, num tom de voz de alguém que esta já se entregando a uma batalha que esta apenas se iniciando.  
      -  Deve ser mais uma dessas especialistas alucinadas prometendo a cura.
    - Mas, Mulher!  Em nenhum momento ela falou em cura... Ela diz que é para termos calma e acreditar que Daniel esta se desenvolvendo, no ritmo dele, e tem todo o tempo pela frente.  Nos e que temos que nos acalmar e buscar entender como se da o desenvolvimento infantil e ele é nosso filho, não é nosso autista.
     Maria percebendo que a voz do casal já estava apaziguada, um tanto mais em tom de diálogo do que de duelo, respira fundo. - Deseja-lhes um excelente fim de semana com a promessa de que, na segunda feira retorna a ligação para o agendamento. Logo em seguida Danilo pede desculpas por ter ligado em pleno domingo, agradece a atenção... diz que segunda feira estaria retornando a ligação já no primeiro horário, e que no momento todos iriam dar um volta na praça e com certeza após o almoço e durante o descanso de Daniel eles estariam ouvido - A FESTA na voz de Maria Rita.
  
Albertina Chraim




domingo, 20 de abril de 2014

30. MARIA E A MULHER DE BRANCO

     Convidada para participar do bingo da igreja daquele lugarejo, reuniu seus irmãos pequenos, e os primos que moravam no mesmo terreno. E se foram, todos faceiros, para as brincadeiras daquela quermesse no final de tarde, com o sol já quase sumindo.
      Entretidos com as brincadeiras no salão paroquial, não se deram conta que a lua já havia surgido.
      Na porta da quermesse, prontos para retornar, todos se deram as mãos como quem a se perguntar - como vamos atravessar o Curvão?  

        - Curvão, era um lugar aonde se fazia a travessia de um pântano – Corria a boatos na vila, que lá, habitava uma assombração. Lugar escuro, com mato em volta, não tinha recursos, muito menos iluminação, apenas uma trilha. 

          E o lugar era temido. Mas, era o único trajeto de quem iria naquela direção.
          E o povo do lugarejo, no retorno para a casa, se, passasse do horário ninguém se arriscava a enfrentar aquele Curvão. 

          Era sabido, que todos que iam para cidade tinham que se organizar, para não passar naquele lugar depois do sol baixar...
       E as crianças assustadas, tementes, resistiam dar qualquer passo que mirasse aquele pântano, habitado por outros seres que assustavam os humanos. Mas, não tinha outro jeito, era preciso coragem e o pântano atravessar.
        Maria, no comando da situação, juntou todas as mãos, acalmando um por um e achando a solução .

          -  Prestem atenção!
    Não devemos nos acovardar, é preciso vencer o medo e a travessia realizar.           É impossível passar a noite no relento, muito menos acreditar que há nesse lugar almas de outros ventos. Vou contar-lhes o segredo que assombra esse lugar... Há muitos anos,  morava bela jovem, numa casa modesta, bem naquela curva que esta a nos assustar... Era mulher bonita, de cabelos dourados, com um sorriso cativante e trazia em sua face a doçura do olhar... Certo dia outra mulher, de invejas se cobria, desferiu-lhe um golpe certeiro e roubou-lhe o coração. E a bela mulher, em malvada se transformou... Apoderando-se de qualquer intruso que aproximasse do Curvão.
        Diz ainda a lenda, que quem por ali passar, ela exige que traga-lhe pano, agulhas e linhas para sua veste costurar... Esse é o preço, de quem por ali passar. Mas, caso não tenham em mãos seus objetos de desejos, deve seguir em frente e jamais  retroceder olhar...
        E os pequenos, então atentos, ao que Maria estava a lhes contar, olham para suas mãos, e nada tinham para ofertar. 

      Então, Maria lhes disse que deveriam seguir em frente sem olhar para trás, pois se assim fizessem - uma mulher de branco surgiria para todos assombrar.
       Respiraram  bem fundo, estufara o peito, vendo a madrugada se aproximar vestiram-se de coragem para o pântano atravessar. Grudados uns aos outros, como quem a se confortar...      Seguiram aquela estrada sem para trás olhar... E aquela estrada, parecia cada vez mais longa. Ao fixar o olhar avistavam o Curvão e o breu daquele lugar.
      Um silêncio de fez. Pareciam nem respirar, os corações já nem batiam, com medo que a mulher de branco pudesse se rebelar.
     Em meio ao silêncio, em maior obediência, ninguém se arriscava o olhar retornar... E no silêncio daquela travessia, cada passo que firmavam, acreditavam que de repente a mulher de branco apareceria... E aqueles segundos que firmaram aquela travessia, pareciam uma eternidade... 
       

       De repente, bem naquele Curvão, um vulto branco aparece como se fosse uma assombração.         O susto foi tão grande, que todos caíram ao chão.  Diante do que viam surgia um grande clarão, que iluminou aquele lugar ate então escuridão, mostrando-lhes o caminho daquela travessia. E todos levantaram seguindo, atravessando o pântano, incrédulos do que viam... 
        E as mãos em harmonia, seguiam aquela luz como se fosse anunciação. 

       Foi assim que aqueles jovens guardaram aquele segredo, só saberá o que há naquele Curvão quem enfrentar seus medos.

       Albertina Chraim

sábado, 8 de março de 2014

29. CONVERSAS PARALELAS DE MARIAS E EVAS

  
  

Num final desses de tarde, elas se encontraram para conversar. Poderia ser só de choro, lamentos, ou ainda duas mulheres a esbravejar. Mas, as duas, naquele final de tarde, em meio a brisa da beira mar montaram seu atelier de conversas paralelas, como se estivessem a se confessar.
Maria, a todos ouvidos, com seu olhar de escuta, observa os pássaros aninhando-se nas árvores - para na noite repousar. Escuta a sua volta as conversas paralelas  de quem freqüenta  aquele lugar. - Analisava o pescador  na sua solidão,  e o barco que navegava nas águas calmas daquela baia a “cumpliciar-se” com o pescador a lançar sua  rede ao mar.
E a conversa se fez, alinhavando em costuras com retalhos dos últimos feitos - como se fossem suas vestes as mortalhas que cobrem as sepulturas de seus próprios corpos, inertes em seus leitos.
E por meio das estrelinhas que compunham os seus textos - elas, as entrelinhas é que sustentavam aqueles medos. Pois a verdade nua e crua entrava rasgando a carne como açoite naqueles peitos. Falavam de tantas coisas, indo a tantos lugares. Elas só não conseguiram entender, como podem os ermitões, viverem em clã, como se não fossem pares.
E falaram das novas vidas que em forma de  embriões -  anunciam o nascimento,  alguns solitários  e outros já chegam duplicados, embora  humanos.
Falaram das coisas da vida - da loucura, que o outro nos impõe, e depois dos  abandonos, como se nunca tivéssemos sido os nossos próprios donos.  Falavam  de mata borrões que marca o próprio corpo como forma inconsciente de provar que não se está morto. E depois veio o desejo, mesmo que torto, de ferir a linha do tempo e escrever novas histórias, com lápis coloridos e telas de aquarelas como se as histórias dos “Outros” pudessem uma dia ser somente delas.
E Maria e Eva, falaram de roupas usadas, dos descartes daquilo que um dia nos foi útil. Das arrumações dos guardas roupas, que se fazem desnecessárias, das pinturas das paredes de suas casas.  - Não importando se serão brancas e azuis, ou brancas e amareladas, ou ainda de que são  feitas - de madeiras ou envidraçadas,  suas janelas. Falaram de rolhas de cortiças em jarros de vidros aprisionadas, que moravam nas garrafas de vinhos.
E o sabor do suco de limão a sucumbir-se entre o aroma do camarão  convidando-as  a navegar nas nuanças gustativas entre o olfato e o paladar, dava um olhar diferente para o que estava fora do alcance daquela visão.
E refletindo aqueles papos, que pisaram em pés retorcidos que pendurados ate doíam - as duas – Maria e Eva  muito embora registradas em papel se perdem naquele final de tarde, muitas vezes confundindo a própria identidade.
E das conversas de entre linhas que escrituravam aqueles textos, muitas vezes se faziam tortas. Falou-se de tantas coisas que misturadas à sensibilidade roubaram de “Cesar o que era de Cesar” - diferenciando os diversos sabores que num mix gustativo entre o doce e o salgado, o azedo e o amargo decantavam o sabor do silêncio, que isolado, fere o peito confundindo os sentimentos de quem esta ao seu lado.
E Maria e Eva cada uma seguindo seu rumo  foram embora mais uma vez. E pegaram  suas estradas, e entre retas e curvas a perder-se  nesta imensidão ficaram sem entender  ao certo  o que é esta imerso no deserto da solidão.
Albertina Chraim

terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

28. MARIA SONHA ACORDADA



O calor de quase  40 graus fizeram Maria adormecer em seu branco lençol... O cheio de roupa lavada,   acariciava seu corpo  nas horas da madrugada...  O outro lado, a cama  vazia! A delirar o calor que molhava seu corpo... Maria por instante olha o vazio da cama e se vê acompanhada. Tudo parecia tão real - o toque das peles enroladas no alvo lençol... Sua face acariciada, e o beijo na boca molhada. Os lábios grudavam a boca, e o toque das mãos  por cima da roupa... Revelava-se assim em volúpias aqueles amantes. Um olhar no olho do outro, uma  linguada no pescoço, a fez arrepiar. As mãos daquele macho a deslizar  sua  pele,  uma a tocar seu meio a outra a sugar-lhe o seio... Maria se contorcia contraindo suas entranhas. E o homem sedento a segurava forte. Com a candura de um amante  desvendando seu corpo do sul ao norte... Sua pele a arrepiar-se  com as fungadas no cangote... Sua língua no ouvido  dava sentido para aqueles momentos, seguindo em gemidos. Maria fechava seus olhos se sentindo amada, e as caricias que recebia  congelaram o tempo naquela madrugada. E assim  Maria se via amada,  sentindo aquelas mãos do homem que amava... Maria  vai se entregando, acreditando ser ela, a amada. E o homem a fez mulher em seu leito, cobiçada... Maria fecha os  olhos,  a sentir em sua pele, o toque daquele corpo  a desbravar cada  centímetros como se fosse  um rico tesouro. E Maria extasiada e a excitação dominando-a, com aquelas mãos incendiando  em desejos, os dois corpos enrolavam-se naqueles lençóis... E num segundo de movimento  Maria deita o homem, que, sem ação se entrega  ao domínio da mulher a lhe profanar palavras em seu ouvido em formas de juramento... E Maria cavalgando o corpo de seu amante a beijar-lhe a boca, desce as unhas ao peito, aproximando de seu corpo e agasalhando-o lentamente. Levando-o a boca e a  fitar-lhe os olhos  - a passar a língua em seu peito, descendo ate o umbigo, lambendo-o e escorregando-se lentamente... E ele a revirar-se em desejos, a contorcer-se em êxtase...  Segura os cabelos de Maria que estava a sugar-lhe. Agora atiçado com seu membro intumescido... Num segundo se levanta jogando Maria ao leito  - a abri-lhe as pernas em desespero... Passa a língua em seu sexo, abre-lhe as entranhas, penetrando seu membro a jorrar-lhe de desejos. E assim fizeram amor, por toda aquela noite. Se foi sonho ou fantasia, ate hoje não se sabe, mas Maria acordou naquela manha sentindo cheiro de sexo e na boca um leve sabor de amor.

Albertina Chraim

quarta-feira, 1 de janeiro de 2014

27. MARIA NO QUARTEL DE ABRANTES



Hoje Maria acordou assim, meio fora do tempo. Já era sem tempo, e o relógio batia depois das 11 da manha. Algo sui generis – acordar na hora de almoçar. Desce as escadas, ainda meio ao som das luzes, clarões e barulho de rojões da noite anterior. Da porta de vidraça, assiste o olhar assustado dos cachorros, assim, meio quem a pedir colo. E o almoço fez-se café da manha. Olha para um lado, olha para outro lado e a cidade parece ainda dormir. E aquele mormaço do dia quente se mistura ao cheiro de pólvora que exala no ar. Relembrando os momentos passados - os pássaros parecem também terem trocado a noite pelo dia. E suas cantorias estão silenciosas, como que, um suspense no ar.  Liga a TV e a programação é a mesma de todos os dias. Olha a mesa após tomar café e tem preguiça de recolher. Mas, por instantes, a mesma preguiça vai embora. Abre a geladeira e começa a desfazer a mesa. Em questão de segundos tudo estará limpo, com tudo na cozinha organizado. Maria abre a porta da rua - e percebe que a noite não foi fácil para os cinco cachorros que ouviram os fogos - sozinhos. Tudo revirado - Agora é hora de acolhê-los, um a um no colo - sente seus corações ainda acelerados, porem agora mais confortáveis com o aconchego de Maria. - Não se assustem, era apenas a anunciação do novo ano. Relaxem! E eles pareciam entender. Ufa! Ainda bem que só daqui a um ano.  Diante da calmaria, nada melhor que um banho para revigorar o corpo e o calor infernal daquele primeiro dia do ano de mais uma vida. - Maria sai do banho e aquela duvida lhe assombra - que roupa vai vestir? Ah já sei! O biquíni - para ficar bem à vontade em casa, e quando o calor bater Maria já estará pronta pra cair na piscina, igual o dia de ontem, afinal, férias são feiras.
Ah! O biquíni esta lá embaixo, na lavandeira. Maria enrola-se na toalha e desce a escada, ainda meio ao teor do champanhe e das músicas dos anos 80 que dançou na noite anterior. Passou em frente da TV ligada, e nada mudou. Opa! Algo diferente - a apresentadora daquele programa matinal de variedades estava trajando um vestido branco de rendas. Igual aquele que Maria comprou nas lojas Renner. E um leve sorriso, aparece em sua face. Sim é engraçado! Será que ela também parcelou? Não sei, mas uma coisa Maria teve a certeza. A apresentadora também tem bom gosto. Maria nessa hora dá uma olhada na cozinha e vê tudo arrumadinho.
 Ahhhhhhhhhhh!  É mesmo! Ontem teve a mega sena da virada! Quem sabe Maria é uma das ganhadora!
Não, não! Não foi ainda dessa vez.  Dois números apenas, não se fazem ganhadora.
Que vale isso!
Maria nem saberia contar tanto dinheiro assim! Pelo menos aquela apresentadora estava com um vestido igual ao de Maria, e sua cozinha estava arrumadinha.
Maria sobe as escadas, olha para o criado mudo e pensa: De hoje não passa! Tenho que terminar de ler esse livro, hoje, para cumprir o projeto de ler um livro por mês.  É, falta pouco! No final da tarde vou deitar na rede, e assim dou continuidade.
Chega ao quarto de hospede é vê a cama totalmente cheia de coisas desovadas, cheia daquelas coisas que naquela ultima semana tudo era jogado ali e em pensamento dizia: deixa aqui que depois eu guardo.  Que viagem!  Vai ate o guarda roupa e lembra que também adiou a organização.
Tá bom! Tá bom!... De agora não passa - mãos a obra. E devagar, lentamente, começa a arrumar o guarda roupa, assim meio que em silêncio - um silêncio quase ensurdecedor - vê o tempo pela janela, a se fechar. E uma aragem de tempo chuvoso vem abrandando a euforia das festas dos dias anteriores. Todos dormem e Maria se sente sozinha. Já sei! Pensa Maria! Liga o computador, e acessa os clipes daquelas musicas da noite anterior, como quem a querer dar continuidade para aquela  festa.  Fecha a porta do closet para não acordar a casa que ainda dormia. E assim, em questão de segundos seu guarda roupa esta arrumado. Cores com cores, peças com peças. E do lado, um cesto de descartes para doação. Será que tem que queira? São  peças boas. Apenas, um número a menos dos de Maria.
14h30min da tarde, termina de arrumar o guarda roupa e se desloca para aquele quarto de hospede, cheio de coisas em cima da cama. É, agora é tua vez! Sente certa preguiça. Mas, agora, daquele instante não passa... Em questão de segundos tudo esta arrumado.  E que hora! Maria olha para a prateleira e vê o álbum de fotografias convidando Maria a não esquecê-lo.  E Maria, pela enésima vez se rende ao convidativo álbum de fotografias. Se rende - todos estão lá, ainda lá, com cara de porta retrato. Apenas, o olhar de Maria continua a mudar em sua volta ao tempo. Mas um barulho na casa volta Maria para a realidade. - A porta do banheiro a se fechar, dá sinal de que a casa esta a despertar.  Maria se dá conta de que ainda não sabe o que vão almoçar. Ainda deitada naquela cama de hospede, com o álbum de fotografias a lhe mirar, dá um sonoro bom dia a quem esta a despertar. Olhem! Tome seu café mesmo que já tenha passado a hora de almoçar. Daqui a pouco faço uma jantinha leve, pois hoje é feriado... É dia de relaxar.  Se não querem café, comam frutinhas, tem suco pronto... Não esqueçam que a cozinha esta arrumada... Arrume tudo, também o que usar, para começar um ano bem organizado. Maria escuta um sonoro. Ta bem! Sua chata! Nem me deseja um feliz 2014 e já esta a me cobrar que mantenham tua cozinha arrumada! Eu ainda nem acordei e o ano nem começou ainda... Tá bom seu desnaturado!  Feliz 2014 e nada de me enrolar! Não vai ser por isso que vai querer minha cozinha bagunçar!  Maria, agora a mirar a janela – a mesma janela que por lá passam as tantas vidas de Maria – que vê o tempo fechar-se em sol e chuva e que exalam o cheiro da terra com daquela tarde de verão.
Mais uma vez, no silêncio daquele quarto, Maria volta os olhos para suas mãos e adormece por cima daquelas vidas congeladas naquele álbum de fotografias. Adormece em sonhos, voltando ao tempo em porta retrato.  E tudo voltará como dantes no quartel de Abrantes e Maria continuará a escrever pela vida, como forma de não esquecer-se. Feliz Ano Novo


Albertina Chraim